A Curadoria

Mostra África Hoje - 3ª edição / 2014

Nelson Mandela é o homenageado nesta edição do África Hoje, a primeira após sua morte, em dezembro de 2013. É curioso poder comparar o Nelson Mandela imaginado e quase mítico, e o Madiba – como é chamado carinhosamente na África do Sul.

Nos documentários trazidos, podemos ver este homem no seu contexto de tempo e espaço, lado a lado com pessoas que partilharam das suas ideias e que contribuíram para a concretização das mudanças naquele país.

No documentário Mandela: Son of Africa, Father of Nation, de Angus Gibson e Jo Menell (1996), a vida deste líder pode ser acompanhada por meio de entrevistas — com o próprio e com outras personalidades, e por meio de imagens de arquivo e de reportagens. Em Countdown to FreedomTen Days That Changed Africa, de Danny Schecter e Rory O’Connor (1994), podem-se acompanhar os bastidores das tensões políticas e os movimentos populares. Esses documentários possibilitam que se tenha uma visão de quem foi o Mandela e o que foram as negociações pelo fim do apartheid. E, como foram realizados em sincronia com os fatos que registraram, não poderiam ser filmes novos. Mas, olhar para o passado é, também, parte do processo de compreender o presente.

Para que o público tenha a possibilidade de ver a África do Sul pós apartheid, há dois filmes — Jeppe on a Friday, de Shannon Walsh e Arya Lalloor (2012), e Surfing Soweto, de Sara Blecher (2007). Jeppe on a Friday foi filmado por oito mulheres em apenas um dia, representando um microcosmo do que são as misturas étnicas, socioeconômicas e culturais do atual país. SurfingSoweto, entretanto, é um olhar profundo num único mundo — o mundo de uma geração de surfistas de trem na capital Johanesburgo.

De outros países do continente africano, a Mostra África Hoje traz outros filmes, e outros líderes. Capitão Thomas Sankara, de Christophe Cupelin (2012), traz a história do líder da independência do Burkina Faso, considerado o “Che Guevara africano”. Amílcar Cabral, de Ana Ramos Lisboa (2001), traz o líder das independências da Guiné Bissau e do Cabo Verde. E o controverso Moammar Kadafi, da Líbia, no norte da África, também é trazido.
Dos líderes acima, Mandela foi o único que chegou à velhice. Passaram-se vinte anos desde que foi eleito presidente (1994). Há vinte anos a África do Sul vive sob um regime que foi sonhado não somente pelo Mandela, mas pela maioria dos cidadãos sul-africanos.

Por intermédio desses filmes, podemos refletir sobre a história, sobre as lideranças, sobre questões políticas, sociais e raciais. Podemos nos questionar sobre quem faz as mudanças e sobre como, de fato, elas concretizam-se e como se desdobram. As respostas, certamente, não serão como nos filmes, em que muito se passa em pouco tempo, em que o roteiro necessita de um foco, possui um ponto de vista e gira em torno de alguns protagonistas. Na vida real, há uma multiplicidade de realidades – todos somos protagonistas. A realidade é dispersa e diversa.

Com a intenção de aliviar o público das tensões da política, decidi trazer algumas joias da música do continente africano, de regiões distintas — Mali, Congo e Angola.

Desejo-lhes, como sempre, uma boa mostra, e que façam uso dos filmes não somente como uma oportunidade de reflexão e debate, mas como um meio de diversão. Porque quando nos divertimos, vislumbramos um mundo melhor.

Luciana Hees.


Luciana Hees e Mariana Marinho